sábado, 13 de junho de 2009

Democracia, realidade ou utopia?

Eu, formado em Direito. Meu amigo, formando em Sociologia.
Várias Heineken vazias, e o papo vai pra onde?
Exato. Pra política.
Mas porque não falar de mulheres?
Porque política a gente pode, um dia, conseguir entender.
Mulheres não se precisa entender. Precisa dar ordens, e elas obedecem.
É assim que funciona.
Ah, ambos estamos solteiros. Não entendo porquê!
*
Bueno, comentei com esse meu amigo que eu achava (e ainda acho) que a democracia é uma idéia utópica. Uma ótima idéia, seria um sistema realmente muito bom...se funcionasse. Mas não é o caso.
Não estou falando aqui de corrupção por parte de partidos, candidatos ou eleitos. Não falo aqui da corrupção inerente em todos os grupos humanos. Sim, temos que admitir que corrupção é uma característica intrinsecamente humana, e presente, infelizmente em todos os grupos de nossa raça. Pode se manifestar na forma de egoismo, egocentrismo, indiferença, nepotismo, preferências, etc. Nem sempre se manifestam em todos os momentos, mas inevitavelmente se manifestam. O problema não é evitar isso, mas contornar essa falha e tentar atingir um fim mutuamente benefico apesar dessa falha humana.
Mas não, não é da corrupção que estou falando. Afinal, ela se apresenta, mais gravosamente, após o processo democrático ter se finalizado.
*
O que eu quero apontar aqui, é a falha que vejo no processo democrático em si. Mas tenho que frisar que não falo apenas do processo democrático para decisões político-administrativas. Não falo apenas de eleições, mas falo de quaisquer decisões em que o povo “em massa” venha a tomar.
*
Afinal, o que é democracia? É um sistema, herdado da Grécia antiga, em que a população participa da tomada de deciões que afetam sua estrutura administrativa ou social. Isso compreendia desde decisões políticas até “julgamentos por júri” de pessoas acusadas de crimes. A participação era voluntária, mas os votos tinham igual peso. Todos eram iguais.
Ahá, uma idéia-chave fundamental pra estrutura da democracia: igualdade.
Igualdade é um princípio defendido pela nossa Constituição Federal. Mas será realidade?
O que é igualdade? Seria o mesmo tratamento entre todas as pessoas, devido sua equiparação educacional, econômica, ideológica...ou seja, todos os membros de uma população estando num mesmo patamar. Ou seria diferente? Seria valorar do mesmo modo a palavra e o voto de pessoas que se encontrem em situações desiguais de educação, valores e posses? Se fosse a primeira opção, não seria algo impossível? Toda a população ter educação privilegiada e a economia da nação ser devidamente repartida? Se fosse a última opção, seria justo? Pessoas de diferentes níveis de instrução sendo colocadas no mesmo patamar social seria correto?
*
Democracia, igualdade, justiça...educação, valores.
Muito complexo.
*
Apontei pro meu amigo, dois principais pontos problemáticos na discussão de democracia: instrução e cultura.
Na minha discussão com meu amigo, pegamos nosso país como exemplo base pro debate.
Brasil, um país jovem, enorme em território, com milhares e milhares de pessoas...serve como um bom exemplo.
*
1º) Cultura: a cultura do ser humano serve de base pra toda a formação de seus valores, caráter e tomada de decisões (em qualquer nível). Sua cultura determina os conceitos de certo, errado, feio, bonito, justo, injusto, tolerável, sacrificável, necessário, imprescindível, fútil, etc. Mas de onde advém esse pacote cultural? Bem, no caso de nosso país, podemos afirmar que esse pacote veio de muitos lugares.
Nosso país é jovem, e foi colinizado por muitos outros países: Portugal, Espanha, Itália, Alemanha...temos também chineses, japoneses, ucranianos, israelenses, ingleses, de muitos países africanos (afinal, a escravidão teve seus reflexos culturais). Somos filhos de uma imensidão e uma multiplicidade de outras nações.
Cada uma dessas nações, ao vir para cá, trouxe seu pacote cultural: seus impérios, políticas, estruturas sociais, suas religiões (muito importante! Afinal, religiões definem certo e errado, tabus e normas comportamentais, além de hierarquia social) e outros aspectos.
Agora, imagine um único país, enorme que seja, com essa infinidade de pacotes culturais crescendo em seu território. Agora imagine que os membros dessas sociedades distintas se encontre, socializem, interajam...se mesclem, dando nascimento a outras culturas, mais novas e distintas, em certo nível. Imagine que cada cultura tem uma cor. Imagine essa mescla multicolorida. É interessante, mas um tanto difícil de administrar. Além de problemas de administrar todas essas diferenças, imagine como é complicado para a própria sociedade entender as diferenças culturais e valorativas de seus vizinhos dentro do mesmo país.
Agora imagine o dia de hoje, com comunicações instantâneas quebrando as barreiras da distância. Imagine que a cada instante, informações são trocadas, aprende-se e ensina-se algo novo. Culturas entram em choque (não necessariamente um conflito, mas um contato) e se mesclam a cada instante.
Nem um camaleão ou um polvo são capazes de se camuflar de modo a se tornar algo uno dentro desse prisma mosaico.
*
2º) Instrução: eu acredito que para tomar uma decisão mais acertada (não necessariamente 100% correta, mas ao menos com um resultado benéfico), uma pessoa deve ter conhecimento básico (ou, em certos casos, aprofundado) sobre a situação, seus elementos, consequencias... Um voto, uma opinião decisiva ou que auxilie no processo de decisão, tem um peso significante. Ou, ao menos, deveria ter. Convenhamos, nossa nação (e a maioria das demais) não proporciona um sistema educacional forte ou suficiente. A exemplo do voto eleitoral, como um cidadão médio (não o “homem médio” do Direito Penal, digo o cidadão comum, humilde, com instrução mediana) pode votar com exatidão e certeza num candidato apropriado? Para isso, deveria ele ter grandes noções de economia, política, Direito (constitucional e administrativo, basicamente), conhecer a estrutura da sua sociedade, e outras coisas mais. Poucas pessoas sabem (ou se preocupam) com o estado em que se encontra o seu município, quanto mais seu país. Não menciono aqui a estrutura e hierarquia complexa e multifacetada da economia e politica ou do arsenal legislativo que corre em nosso país. Não. Falo de conceitos básicos e conhecimento de organização da máquina administrativa. Conhecimento esse que as pessoas, em geral, não possuem.
Então, o que faz com que o eleitor (no exemplo do volto eleitoral) escolha um candidato em específico dentre os demais? Bem, em geral, um certo carisma. A figura do candidato atrai, tem uma simpatia e, algumas vezes, até mesmo suas idéias e princípios coincidem com as do eleitor. Mas é raro uma análise mais profunda do que isso: a da imagem, do marketing.
*
Portanto, tendo essas idéias-base (agora não sei mais se tem traço separador ou não! Obrigado pela nova lei de ortografia, seus meliantes legislativos!) em vista, pode-se dizer que todos são iguais ao votar? Uma pessoa com mais instrução terá mais consciência do quadro geral da situação, saberá avaliar melhor o candidato, e poderá, quem sabe, tentar um prognóstico das possibilidades.
Mas não apenas através da instrução convencional (escolaridade) uma pessoa pode obter conhecimentos necessários pra fazer seu voto (ou decisão qualquer) valer. Também existe a pesquisa individual, o indivíduo pode estudar, pesquisar, tentar compreender aquilo que acontece a sua volta, tentar compreender seu mundo para poder participar dele de forma mais correta. Mas quantos fazem isso? Conheço poucos. Muitas das pessoas com escolaridade que conheço não se interessam por esses assuntos. Muitos julgam politica, economia e Direito (e assuntos paralelos) chatos e enfadonhos. Muito bem, talvez sejam. Mas acredito que conhecimentos básicos são necessários. Afinal, vivemos e morreremos aqui. E as gerações futuras colheram os frutos de nossas decisões. Será essa mensagem que queremos passar? De preguiça e conformismo?
*
Mas, voltando ao assunto principal, pode-se dizer que, em um processo democrático, o voto de uma pessoa ignorante (não de forma pejorativa, mas que desconheça os conceitos e sistemas anteriormente referidos) tenha o mesmo peso e valor que o voto de uma pessoa bem instruída e realmente interessada?
Tendo em vista essa disparidade de instrução, a Constituição veio com o princípio da igualdade, ou seja, tem sim o mesmo peso o voto de uma pessoa simples e o da pessoa instruída.
Agora, analise bem. Pense nas consequencias dessas decisões (que serão atingidas através da contagem desses votos) e em tudo o que isso acarretará. Responda: é justo? É correto?
A grande maioria do povo desse país (reafirmo que qualquer outro país poderia ter sido usado como exemplo, mas no nosso, as diferenças são mais marcantes) é mal instruída, ignorante e desinteressada. Concordo que, devido à nossa economia e problemas estruturais, a educação é um problema antigo e constante. Mas existe também o desinteresse. E esse problema é pessoal, e ainda mais grave que o de falta de educação.
Sim, educação privilegiada é coisa de poucos, da classe chamada por muitos de “elite” . Contudo, vejo que o “privilegio” do interesse também é coisa de poucos. Isso é grave. E é o pior problema do sistema democrático.
Falta de interesse em compreender o mundo à nossa volta deve ser a pior crise do processo democrático, pois mostra total desvalorização do voto por parte da própria pessoa, e total desprezo das consequencias de suas decisões. O mínimo de interesse de um individuo em procurar compreender os conceitos báscicos dos sistemas, já geraria uma grande melhoria na tomada de decisões.
*
Agora vejamos pelo prisma cultural. Tendo os votos o mesmo peso, valor e relevância, e sendo eles conscientes, resta um problema (alguns não vêem isso como problema, apenas como ponto de conflito): o fundamento subjetivo. Toda a vivênciad e uma pessoa é baseada em suas idéias subjetivas: seus valores e conceitos intimos morais.
Anteriormente eu falei das culturas e choques valorativos nos povos. Agora levemos isso para o campo de tomada de decisões, e logo teremos uma frase que escuto frequentemente após os resultados de cada eleição: “só porque fulanos votaram neessa pessoa eu tenho que aguentar isso?”. Ou seja, um grupo de individuos (de ideias e valores culturais similares) toma uma decisão X, e por serem em maior número, derrotam os demais lados, que possuem valores diversos. Uma vez alcançando essa vitória, o grupo X subjuga, por assim dizer, os demais grupos sob seus valores e conceitos.
Então, a maioria faz o correto? A regra é, simplesmente, um fator numérico? A democracia se faz por pesagem de votos? Sim, democracia significa a vitória dos mais numerosos. “A união faz a força”. Mas, dado o que se foi apontado até aqui, não seria uma maioria mal informada e facilmente iludida? E, dentro desse quadro de valores conflitantes, seria correto subjugar os perdedores (que, pela CF, pode ser “50% -1”, ou seja, uma minoria apenas numérica) aos valores de seus oponentes? Então, valores, ideais e morais são suprimidos de 4 em 4 anos. E diz-se o que aos perdedores? Que devem tolerar isso, pois é o processo democrático?
Sim, é o que se diz.
*
Não quero dizer que ao sistema democrático está em crise.
A idéia de democracia é boa, muito boa. Mas não está sendo valorizada nem posta em funcionamento corretamente.
Enquanto se tiver um povo mal instruído e conformista, o voto será ilusório e mal fundamentado.
Enquanto o individuo não se der o trabalho de olhar à sua volta e perceber que seus vizinhos não são iguais a ele, as diferenças e nuances, por mais tênues que sejam, jamais serão percebidos. Diferençs de conceitos básicos (certo, errado, justo, injusto, etc) que incluem, inclusive, o que se pode tolerar e/ou sacrificar em busca de um bem maior. Existe um pouco de egoísmo em cada um que diz: “o meu lado é melhor e mais correto”. Olhamos pra nosso próprio umbigo, por vezes demais. Esquecemos que outras pessoas existem, com sentimentos, esperanças e angústias também. Vulneráveis como nós. E, como nós, dependentes desses sistema democrático, que está em nossas mãos!
Cada voto, tomada de decisões, gera muitas consequencias. É impossivel prevê-las todas, mas deve-se estudar a situação antes de participarmos desse processo.
*
Outros tópicos que deixei de fora, e meu amigo fez questão de salientar: sistemas totalitários (tomada de decisões nas mãos dos poucos privilegiados ou de uma única pessoa), reforma democrática, participação popular no sistema de governo e na sociedade (ongs, sindicatos, petições, etc.)
Não falei de tudo aqui, até para não esgotar o assunto.
Não quis dar uma aula, apenas compartilhei, brevemente, meu ponto de vista.
Espero que ninguém se ofenda (afinal, não foi esse meu intuito, nem de longe!) e que participem opinando.
Afinal, isso toca a todos nós.